Agora já posso ver
Regina deu-se um novo ser - uma personagem que encontrou no mundo da sua fantasia de realidade vestida. E escreveu assim:
Que cidade subtil! Sem imagens que magoam...
Ouço um coro de crianças que cantam, lá para noroeste, melodias de velas e de pudins. O cheiro daquilo que entoam é absolutamente manso; apercebo-me, pelos timbres, de crianças de todos os matizes, e as vozes das que são negras cheiram a cacau puro...
Do sul, vem-me o travo a pães doces, a açúcar derretido sobre as faces luzidias dos pães de Deus; e saboreio a canela em pó das recordações dos momentos de paz!
A cidade está depositada em humidade matinal; uma das minhas mãos recolhe-se no acetinado do forro do sobretudo... e repousa num lar de bolso, a que já se acostumou; um lar sem outra mão para apertar em solidariedade de rugas - solidão de pele!
O Natal aproxima-se e há que inventar a tonalidade das cores através dos sons, dos cheiros, dos sabores e dos contornos das coisas...
Isto é, seguramente, um vaso; um enorme vaso forrado a papel cheio de pequenas pregas, lembrando o plissado das saias das meninas, em dias de festa. Ouço o som que sai das minhas mãos, em contacto com ele - um som de uma aspereza difusa, nunca agressiva. E ouso subir devagarinho: sinto um cheiro verde a picar-me o rosto. É a isto que chamo um pinheiro; é a isto que chamam um pinheiro... de Natal! Muitas formas redondas penetram as palmas das minhas mãos e, pelos diferentes tamanhos, imagino a variedade de brilhos e, certamente, de cores. As luzinhas, como pequenos focos de alento, incendeiam-me a pele. E continuo a subir, inebriado com o tal cheiro verde que cada vez mais se mistura com o hálito das estrelas... Caminho no caminho da minha eterna cegueira e avivo todos os outros sentidos para que me possa aproximar, cada vez mais, da claridade; a claridade que é diferente da dos outros, mas que não deixa de ser claridade - a minha!
Das guloseimas que comi, das muitas doçuras que desembrulhei desta árvore de delícias, só vos posso dar conta através dos meus dedos que escorrem mel, sorrindo às traquinices cúmplices com os meus deditos infantis, que mergulhavam em torrões de açúcar amarelo...
Ouço um coro de crianças que cantam, lá para noroeste, melodias de velas e de pudins. O cheiro daquilo que entoam é absolutamente manso; apercebo-me, pelos timbres, de crianças de todos os matizes, e as vozes das que são negras cheiram a cacau puro...
Do sul, vem-me o travo a pães doces, a açúcar derretido sobre as faces luzidias dos pães de Deus; e saboreio a canela em pó das recordações dos momentos de paz!
A cidade está depositada em humidade matinal; uma das minhas mãos recolhe-se no acetinado do forro do sobretudo... e repousa num lar de bolso, a que já se acostumou; um lar sem outra mão para apertar em solidariedade de rugas - solidão de pele!
O Natal aproxima-se e há que inventar a tonalidade das cores através dos sons, dos cheiros, dos sabores e dos contornos das coisas...
Isto é, seguramente, um vaso; um enorme vaso forrado a papel cheio de pequenas pregas, lembrando o plissado das saias das meninas, em dias de festa. Ouço o som que sai das minhas mãos, em contacto com ele - um som de uma aspereza difusa, nunca agressiva. E ouso subir devagarinho: sinto um cheiro verde a picar-me o rosto. É a isto que chamo um pinheiro; é a isto que chamam um pinheiro... de Natal! Muitas formas redondas penetram as palmas das minhas mãos e, pelos diferentes tamanhos, imagino a variedade de brilhos e, certamente, de cores. As luzinhas, como pequenos focos de alento, incendeiam-me a pele. E continuo a subir, inebriado com o tal cheiro verde que cada vez mais se mistura com o hálito das estrelas... Caminho no caminho da minha eterna cegueira e avivo todos os outros sentidos para que me possa aproximar, cada vez mais, da claridade; a claridade que é diferente da dos outros, mas que não deixa de ser claridade - a minha!
Das guloseimas que comi, das muitas doçuras que desembrulhei desta árvore de delícias, só vos posso dar conta através dos meus dedos que escorrem mel, sorrindo às traquinices cúmplices com os meus deditos infantis, que mergulhavam em torrões de açúcar amarelo...
E consigo chegar ao cimo; consigo tocar os cinco bicos da estrela-guia. (Qual a árvore de Natal que não tem estrela-guia?) E, montado na cauda da fantasia, faço uma enorme e curta viagem até... mim.
O que me tenho dado?
O que tenho construído dentro de mim?
Tristeza! Amargura! Desalento!
O que me pode dar o Natal?
O que pode ele construir dentro de mim?
O que me tenho dado?
O que tenho construído dentro de mim?
Tristeza! Amargura! Desalento!
O que me pode dar o Natal?
O que pode ele construir dentro de mim?
Vou arranjar um espaço cá dentro, nas entranhas desta cabeça que configuro ampla e disponível para a constante novidade do devir. Aconchegarei esperanças junto dos meus olhos verdes, que só vêem para dentro... e retirarei a palavra “só”, à medida que me for sentindo acompanhado dos valores que muitos dos que vêem, nem sempre conseguem interiorizar.
E... isto é, seguramente, um vaso; mas um vaso diferente dos vasos de barro - é um vaso sanguíneo e eu sei-lhe o sabor, desde sempre, sem nunca ter reparado nisso! Os contornos estão repletos de neurónios que me permitem existir e... aperceber-me disso!
Aqui, os sons saem directamente para dentro da voz - sons sem qualquer aspereza; sons puros. E também ouso subir devagarinho, sentindo um cheiro cálido, como se um cálice de Vinho do Porto se derrubasse e me escorresse através da alma... E invento um pinheiro; um pinheiro com a seiva que só eu sei; cresce-me através das raízes do pensamento e espraia-se nas palavras que para mim sussurro.
Muitas formas redondas impregnam as entrelinhas da minha imaginação e pinto-as com uma paleta de cores sonantes, que consigo ver em virtude das luzinhas aquecerem as sombras das minhas pálpebras, fazendo-me ascender ao avesso de mim!
E, possuído por uma sagacidade que a luz sempre faculta, esqueço os chocolates terrenos, o mel e o açúcar amarelos, dispo a árvore que havia enfeitado com convenções de bolas, de luzes e de estrelas de plástico e... ato a cada ramo um valor imprescindível: para combater a violação dos Direitos do Homem, coloco a INTEGRIDADE; para provocar a superação do fundamentalismo, acrescento a TOLERÂNCIA; para suprir os assassinatos disponho, em leque, o ALTRUÍSMO; para ultrapassar a pedofilia, penduro a INOCÊNCIA; para pôr fim às torturas, desfio a SERENIDADE; e para colar à estrela-guia, invoco o VALOR DA VIDA!
Deste modo, todo enfeitado por dentro, percorro avenidas e avenidas que vomitam brinquedos e ansiedades, sempre perseguido por quatro passos que fazem parelha com os meus dois pés, numa cadência estranhamente compassada. Assustado, primeiro; atónito, depois; finalmente confiante, decido parar para perturbar o transeunte. Mas quem se estatelou no chão fui eu, quando algo insuspeitado tropeçou em mim - um ser enorme, mas de respiração determinadamente tranquila, que me lambeu as faces e me deu um aconchego de pêlos quentes junto ao peito. E neste cumprimento de repentinas boas-vindas, a nossa súbita felicidade derreteu o entardecer de estalactites - um cego abraçado a um cão, em vésperas de Natal... sem solidão de pele.
Ao cão chamei-lhe CONFIANÇA! Agora já podia ver!
E... isto é, seguramente, um vaso; mas um vaso diferente dos vasos de barro - é um vaso sanguíneo e eu sei-lhe o sabor, desde sempre, sem nunca ter reparado nisso! Os contornos estão repletos de neurónios que me permitem existir e... aperceber-me disso!
Aqui, os sons saem directamente para dentro da voz - sons sem qualquer aspereza; sons puros. E também ouso subir devagarinho, sentindo um cheiro cálido, como se um cálice de Vinho do Porto se derrubasse e me escorresse através da alma... E invento um pinheiro; um pinheiro com a seiva que só eu sei; cresce-me através das raízes do pensamento e espraia-se nas palavras que para mim sussurro.
Muitas formas redondas impregnam as entrelinhas da minha imaginação e pinto-as com uma paleta de cores sonantes, que consigo ver em virtude das luzinhas aquecerem as sombras das minhas pálpebras, fazendo-me ascender ao avesso de mim!
E, possuído por uma sagacidade que a luz sempre faculta, esqueço os chocolates terrenos, o mel e o açúcar amarelos, dispo a árvore que havia enfeitado com convenções de bolas, de luzes e de estrelas de plástico e... ato a cada ramo um valor imprescindível: para combater a violação dos Direitos do Homem, coloco a INTEGRIDADE; para provocar a superação do fundamentalismo, acrescento a TOLERÂNCIA; para suprir os assassinatos disponho, em leque, o ALTRUÍSMO; para ultrapassar a pedofilia, penduro a INOCÊNCIA; para pôr fim às torturas, desfio a SERENIDADE; e para colar à estrela-guia, invoco o VALOR DA VIDA!
Deste modo, todo enfeitado por dentro, percorro avenidas e avenidas que vomitam brinquedos e ansiedades, sempre perseguido por quatro passos que fazem parelha com os meus dois pés, numa cadência estranhamente compassada. Assustado, primeiro; atónito, depois; finalmente confiante, decido parar para perturbar o transeunte. Mas quem se estatelou no chão fui eu, quando algo insuspeitado tropeçou em mim - um ser enorme, mas de respiração determinadamente tranquila, que me lambeu as faces e me deu um aconchego de pêlos quentes junto ao peito. E neste cumprimento de repentinas boas-vindas, a nossa súbita felicidade derreteu o entardecer de estalactites - um cego abraçado a um cão, em vésperas de Natal... sem solidão de pele.
Ao cão chamei-lhe CONFIANÇA! Agora já podia ver!
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