Penas

Regina queria dar-se um presente, mas ele vinha quase sempre recheado de muito passado saudoso ou de um enorme futuro receoso...

Acostumou-se, desde sempre, a adormecer e a acordar na almofada de penas das suas nostalgias e agora que a sua vida se alongava, encurtando-se, queria fazer a mudança de casa da sua forma interior de armazenar recordações, como se fosse necessário agarrar-se a uma tábua de salvação que lhe garantisse a sobrevivência aos receados naufrágios do futuro...

Este era agora o seu propósito e começou mesmo pela almofada - rasgou-a com mãos firmes e sacudiu os milhares de penas macias, mas ilusórias, que se precipitaram numa chuva que voou para um céu enorme e informe; sem barulho, sem que ninguém se apercebesse... Só ela se encantou com um espectáculo de liberdade branca, onde todos os sons ainda se iriam compor, em elegia nunca mais fúnebre!