regina - nome de chocolate e de mulher

05 novembro, 2006

Festa

A atmosfera anunciava a entrada no Outono... Havia uma brisa, já fresca, que emanava um aroma açucarado e Regina abriu-se em curiosidades olfactivas - de onde surgiria aquele odor que lhe atenuava o pensamento, ligando-a ao país encantado de cheiros doces? Mas não era O Perfume, de Patrick Suskind, livro que recordava sempre com enlevo, que a motivava agora; a descoberta de um paraíso do qual ainda quase nada sabia, anestesiava-lhe o discernimento...
E encontrou o caminho - de muro em muro, de pedra em pedra, foi-se aproximando daquele lugar, onde o tempo era marcado pelo ritmo dos sabores.
Assim, a primeira coisa que viu foi um relógio... de chocolate, embrulhado em reluzente papel de ouro branco.
Com as horas prazenteiramente paradas, sentou-se num chão sem cerimónias e... comeu o tempo, não sem antes o ter desembrulhado com brilhantes olhos de eternidade!
Passeou-se, depois, por pequenas ruas estreitas, com todas as casas enfeitadas de vasos com flores de bombons - na primeira, os donos tinham preferido o aroma dos Mon Chéri, e quando alguém se aproximava, cheiravam a Cherry as nuvens por cima daquele pedaço de mundo... A cor rosa-bombom facultava um mágico pensamento: ali, dentro daquela casa, era-se alegre e degustava-se sensualidade, pelas curtas tardes e pelas longas noites de Novembro.
Mais além, eram as janelas que se abriam, ou se fechavam, com persianas de tablettes de chocolate de leite, que os donos comiam e repunham, à medida dos seus desejos sem cuidados. Por vezes, podia entrever-se um beijo selado com aroma de café bem forte e amargo, que sempre lhes estimulava um sorriso sem hora marcada.
Regina, à medida que ia penetrando naquele ambiente mágico de filme infantil, começou a estranhar que a sua roupa se estivesse a colorir, numa paleta digna de loja de gomas... O seu casaco enchia-se, agora, de pequenos botões feitos de uns deliciosos bombons que aguaram a sua saliva, na infância - aquelas maravilhas vermelhas, verdes, amarelas e azuis, pequeninas e com recheio quase sempre demasiado doce e igual, produzidas em fábrica portuguesa e talvez familiar, custando apenas tostões ou poucos escudos (aquilo que era o nosso dinheiro...), estavam agora ao alcance de uma linha!
Adornada com tais encantos e com bâton cor de chocolate, ou de avelã, ou de noz, ou de amêndoa, não conseguiu mais do que cantar... Escolheu uma qualquer Ária que enaltecia a vida e as suas delícias e continuou a render-se aos sentidos vestidos de festa - escolheu pensamentos muito leves, com influxos nervosos de ginjas e rum... Perfumou-se de baunilha e canela e refrescou-se com um aguaceiro de licor de menta! Apetecia-lhe mesmo andar à chuva e dispensou os guarda-chuvas de chocolate que, à porta de todas as lojinhas, eram a promoção da semana.
Terminada a visita àquela vila de fantasia assumida, voltou para casa num carrinho da Ferrero, vermelho, que para ela inventaram, sem motorista e já com os desejos festejados, agradecendo, ao mundo, a divindade consubstanciada em frutos de cacaueiro...