Voz com flores...
Regina acordou da agitação de sonhos vivos e complexos, que lembravam um congresso de realizadores, os seus favoritos, numa mescla de Ingmar Bergman com Woddy Allen, de Visconti com Almodóvar! Todos se deliciavam a sugerir cenas entrecruzadas e, por vezes, bem bizarras!
Sacudindo a letargia física e cansada de tanta estética emocional e intelectual, foi espreguiçar-se na sua varanda que irradiava luz e cadeiras de lazer - raios e espaldares em alongamentos matinais.
Sentou-se e escutou o céu que, da janela em frente a sua casa, se corporizava em sons de instrumentos e voz - a voz de Viviane que lhe oferecia o glamour de flores parisienses, em primaveras nunca efémeras. E misturou a sua voz com as fotos de Robert Doisneau, num preto e branco de beijos dados em paz quente e colorida.
O desconforto, porque achava que havia sempre um desconforto, mesmo que pequeno, em tudo, veio-lhe de um som de motorizada de século passado - um som irritante e acinzentado.
Não resistiu à curiosidade, porque tinha sempre os sentidos em sentido, e olhou: do cinzento, o tal cinzento pesado de chumbo, surgiram dois corpos; um de homem e outro de mulher. Via-os do promontório do seu olhar atento e, inevitavelmente, surgiu o poema visual: um homem cinzento e uma mulher cinzenta, em cima de uma motorizada cinzenta - que protagonistas desinteressantes para um texto que ela pretendia colorido!
Ilustrando aquela banda sonora de voz de mulher afirmativa e sensual, aquela que lhe surgia em decibéis de ar lavado, eis que a cena se compôs em final de harmonia - nas mãos rugosas da mulher, que segurava o casaco amarrotado e sem brio, do homem, surgiu um ramo de flores; flores em tons pastel, discretas mas viçosas, numa delicadeza de florista briosa, emanando um aroma de festividade feliz.