O Corpo e o Olhar
Regina gostava mais de o contemplar do que, propriamente, apreciar a sua obra pictórica.
Sabia que, dias antes, ele tinha acabado de pintar o maior quadro da sua carreira artística, O Espírito do Vinho, o título daqueles catorze metros quadrados de tela, concretizados em pouco denotativa garagem, transformada em oficina de cor.
Regina não sabia se lhe interessavam os números para contar a vida daquele ser ou os números para contar a sua obra; não, pelo contrário, nada disso lhe era importante; nem talvez quisesse adjectivar aquele ser de artista! Homem enérgico, imaginativo, sonhador e irreverente, tinha andado algumas décadas a mostrar, visualmente, as suas fantasias mitológicas, com um carácter genericamente bizarro.
Sabia que, dias antes, ele tinha acabado de pintar o maior quadro da sua carreira artística, O Espírito do Vinho, o título daqueles catorze metros quadrados de tela, concretizados em pouco denotativa garagem, transformada em oficina de cor.
Regina não sabia se lhe interessavam os números para contar a vida daquele ser ou os números para contar a sua obra; não, pelo contrário, nada disso lhe era importante; nem talvez quisesse adjectivar aquele ser de artista! Homem enérgico, imaginativo, sonhador e irreverente, tinha andado algumas décadas a mostrar, visualmente, as suas fantasias mitológicas, com um carácter genericamente bizarro.
Não; não foi a sua vida exposta em obra que a deixou rendida - tratava-se de interessantes telas, quase sempre muito coloridas, expostas em alvas e receptivas paredes de galeria. Tudo, quase tudo era mais ou menos previsível.
A rechear, também, as mesas daquelas salas engalanadas, havia iguarias regionais que aconchegaram muitas dezenas de seres, múltiplos e variados, unidos à entrega da festa.
Mas o que deixou Regina com vontade de correr para casa e escrever, de rompante, este texto, foi algo quase indescritível, que a emocionou em meia dúzia de intensos segundos - ela não encontrou uma extensa vida inscrita naquele olhar, o olhar de Mário Silva, no momento solene e prazenteiro do Parabéns a Você!!! É que, naquele homem, grande e vertical, abriam-se uns belos olhos de criança, completamente disponíveis para tudo o que houvesse a viver; de um corpo com setenta e sete anos surgiu, na vitalidade do seu olhar, muito mais de um outro meio século de obra que ele faria, se pudesse brincar ao faz-de-conta com o tempo...
O universo de possibilidades que os horizontes daquele homem abarcavam, no momento em que a sua idade ia pesando, personificavam, claramente, a vida em sábio modo de intemporalizar!